ou Das Metamorfoses e Renascimentos
O Universo se constitui fundamentalmente em ciclos.
Alguns mais curtos, acontecem a cada minuto, hora, dia.
Alguns mais longos, acontecem a cada milhares, milhões ou bilhões de anos.
Desde o sol que nasce despedindo a lua para depois se pôr a cumprimentá-la, até meteoros periódicos e períodos glaciais. Passando pelas células que se dividem e as nossas tendências de pensamento e comportamento que vêm e vão.
Tudo samsara, ciclo infinito…
O sol nasce, o sol se põe.
A lua se põe, a lua nasce.
Nós, os seres, nascemos, reproduzimos, morremos.
A água evapora, condensa, precipita.
Quando crianças, aprendemos a nos ver pelos olhos dos outros.
Se a mãe apresenta medo e nervosismo, a criança se sente insegura e apresenta medo e nervosismo.
Crescemos nos julgando pelos olhos dos outros, cada um à sua medida, e tomamos nossa imagem como sendo aquela apresentada pelo espelho.
Em algum momento do que chamamos de adolescência, a perspectiva muda. Um dia nos olhamos no espelho e nos imaginamos com o cabelo daquele ator, a roupa daquela modelo, a pose daquele músico.
Tomamos consciência de que aquela figura que o espelho apresenta pode mudar, em comum acordo com nossas ações.
Então, de um dia pro outro, mudamos nosso visual, pintamos nosso cabelo, nosso jeito de andar e até de falar.
Mudanças quase imediatas, que refletem o poder de nossas decisões.
Mais tarde, porém, percebemos que nem tudo é assim.
Conforme crescemos, vemos que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos, ainda nos vemos pelos olhos dos outros. A adultez nos faz perceber em nós padrões de comportamento geracionais que parecem permanecer constantes, apesar de nossos suados esforços.
Aquela tia que perguntava das namoradinhas dá espaço a um comportamento de fofoca impassível; aquele pai julgador dá espaço a um perfeccionismo irremediável; aquela mãe super protetora dá espaço a uma personalidade insegura.
Compensamos. Nos escondemos de nós mesmos em crenças e comportamentos disfuncionais e difusos, redes sociais, garrafas de bebida, filmes, remédios controlados, bitucas de cigarro, séries… A lista é incontável.
Esses dias me olhei no espelho e senti que a figura ali refletida não mais condizia com meu Eu. Ou talvez com o Eu que almejo ser. Esse momento me pôs em reflexão, motivo pelo qual escrevo essas palavras.
A figura que via ali remetia a um outro Eu. Um Eu do passado. Com todos seus vícios e maneirismos.
Foi quando senti que precisava parar de ouvir o que vinha de fora e sintonizar as antenas para dentro.
“Eu preciso mudar, preciso ver um Eu que reflete quem Eu quero ser”, eu pensei. Eu sei, eu sei. Papo de doido, talvez. Mas foi então que me dei conta de que aquela não era a estreia daquele sentimento. Me dei conta de que, consciente ou não, já havia sentido e pensando aquilo tantas outras vezes que não conseguia nem enumerar.
Afinal de contas, o que é o viver se não um constante se reinventar? Um constante deixar um Eu morrer para outro Eu poder nascer?
“Se eu não mudar nada muda”, canetou Black Alien em 2019, a partir da perspectiva individual de mudanças e padrões repetidos ad-nauseum. “A única coisa que não muda é que tudo muda”, escreveu Heráclito de Éfeso (que também escreveu aquela frase sobre tomar banho de rio ser bom) ali pelo século V a.C, a partir da perspectiva natural de ciclos da Natureza e do constante fluir do Universo.
Também esses dias, lendo o “O oráculo da noite” de Sidarta Ribeiro, trombei com a ideia de que essa noção de “ciclo da vida” começa a se consolidar melhor entre nossa espécie a partir do descobrimento do plantio. A noção recém adquirida de que esconder um pedaço não-vivo de planta debaixo da terra de repente o trazia de volta à vida.
Essa noção parece ter feito uma reviravolta braba na experiência de vida dos nossos antepassados. De repente começam a surgir rituais e crenças de vida pós morte, em todas as regiões onde se iniciou o processo de agricultura. Fortemente fundamentado nessa descoberta, de que enterrar a morte pode dar luz à vida.
Eu acho isso lindo. É também sobre isso que escrevo aqui. Na verdade seria mais certeiro dizer que é por isso que escrevo aqui.
Talvez a Fonte (ou o Universo, a Natureza, o Criador, o Processo, como quiser chamar) tenha sido simbolicamente bem literal quando desenhou a metamorfose: uma larva que nasce; se alimenta do ovo onde foi gestada; sai mundo afora rastejando, consumindo, sobrevivendo; acha um lugar seguro e solitário; se fecha em um casulo, fica ali dentro se debatendo por dias e só sai dali enquanto borboleta.
Ou também quando arquitetou o processo de crescimento da cobra, que a cada tanto tempo, conforme cresce, precisa se desfazer da pele que habita para dar ares à uma nova, que melhor lhe cabe, se desfazendo dos parasitas e infecções que habitavam a agora antiga pele.
Pra fechar essa pequena reflexão, quero dizer que talvez o Tim Maia estivesse certo quando disse, e nós rimos, “Tudo é tudo, e Nada é nada”.
Ou então quando disse, e nós também rimos, “O mundo só vai ficar legal depois que terminar o dinheiro, porém, que não me falte nenhum enquanto não terminar!”.
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