ou Subtítulo
Quem, o que, quando, onde, por que: essas são as cinco perguntas básicas que podemos fazer sobre tudo que existe no mundo e na nossa experiência do mundo.
Todas outras perguntas são alguma complicação, permutação ou desdobramento dessas cinco perguntas fundamentais. Tudo volta a elas.
O “quem” diz respeito a um sujeito, um indivíduo.
O “o que” diz respeito a um fato, um acontecimento.
O “quando” diz respeito a um momento, um lugar no tempo.
O “onde” diz respeito a um local, um ponto ou região no espaço.
O “porquê” diz respeito a um motivo, uma razão que explica ou justifica algo.
Essa última, porém, se destaca. E recebe de mim hoje a atenção que a dou nesse texto.
Por que muito humanos são os Porquês.
Cada dia tenho mais convicção disso.
Vamos lá, vou explicar o porquê.
Vivemos em busca de motivos, de porquês. Em tudo.
Por que a maçã cai da árvore, por que o mar empurra as ondas até a praia, por que somos como somos, por que queremos o que queremos, por que gostamos do que gostamos, por que nascemos, por que morremos… Por quê há algo e não o nada?
Há algo essencialmente humano no por que.
O pássaro não se pergunta por que o sol nasce, por que ele precisa se esconder, por que canta ou por que precisa de água para viver.
O Por Que deve nascer de nossa necessidade de achar motivos, razões para tudo que acontece.
Tanto em nosso redor, quanto dentro de nós.
E essas duas perspectivas produzem respostas categorialmente distintas. Existe uma diferença de propriedade muito estranha entre essas duas perspectivas.
Note: sempre que você pede o porquê de algo da natureza, você não recebe respostas senão explicações. É como perguntar um por que e sempre receber um como.
Se você pergunta por que a maçã cai da árvore, sua resposta vai ser “por causa da gravidade”. E então você pergunta o por quê da gravidade, e recebe como resposta algo como “por que a Terra tem uma massa tão grande que distorce o tecido espaço-tempo, gerando na pequena maçã uma força direcionada ao centro da Terra e então quando a maçã se desgruda da árvore e deixa de estar suportada pelos seus galhos, ela cede a essa força que a puxa até o chão” e você pergunta por que a massa da Terra distorce o espaço e recebe como resposta algo falando sobre força forte e força fraca e você pergunta o por quê delas e logo você alcança o limite do conhecimento humano sem conseguir seu “porque”, só um punhado de “comos”, umas descrições do “o que”. As perguntas vão perdendo seu sentido conforme esse processo se repete.
Logo você percebe que a natureza parece indiferente a nossos por quês.
Talvez haja razão para as coisas serem como são, mas essa razão está em um plano fora do alcançável pela nossa consciência humana tão recente.
Ou como diz um poema Zen com que me deparei esses dias: “Se você perguntar de onde vem as flores, mesmo o deus da primavera não saberia responder”.
Talvez o Cosmos não precise de uma razão para ser como é, apenas é.
E talvez também esse seja o limite fundamental da ciência. E talvez nele more a origem da espiritualidade e da filosofia. Por que temos dentro de nós essa necessidade irreparável de perguntar por quês, a um ponto fora dos limites da ciência e da razão.
Se o Big Bang, um fenômeno aparentemente incompreensível, marca o início do Universo, o que havia antes do Big Bang? E o que havia antes de haver o tempo? E o que havia antes de haver o haver?
Como o conceito de potencial, ou de probabilidade. Nós não vivemos e não temos acesso a esses planos. Nós só experienciamos uma materialização de uma das possibilidades: o que acontece. Podemos estudar o comportamento dos outros não-acontecimentos e saber dizer com exatidão qual a chance de ocorrerem, mas não conseguimos saber o que é esse estado de não-ocorrência.
As perguntas param de fazer sentido nesse ponto.
Na falta de ferramental que toque essas questões, nos voltamos para dentro.
Por que por outro lado, quando perguntamos o porquê de algo interno, nosso ou de outro, tudo se torna mais palpável. As respostas dos porquês são de fato por quês e não comos.
Se eu pergunto por quê você está se sentindo ansioso ou angustiado, você vai me responder com um por que e não com com um como. Ou se eu perguntar por que você está feliz e alegre, a resposta também é um porquê. Você pode não saber elaborar muito, ou até mesmo só dizer “Não sei, só estou”, e isso é um porquê e não um como.
Claro, você pode tornar novamente ao buraco de coelho de dizer que seu cérebro, os neurotransmissores e blá blá blá, mas aí você retornou ao como. O como do porquê.
Os por quês “verdadeiros”, por falta de uma palavra melhor, parecem de alguma forma estar intimamente ligados com a experiência da consciência, de ser um “ser” no Universo.
O Por Que começa e termina na consciência. Não parecem haver Por Quês fora da consciência.
Fora dela, a linguagem falha, a lógica falha, a razão falha, e até a matemática falha.
A espiritualidade parece se colocar como uma forma muito individual de se relacionar com esse mistério. Relacionamento esse que nasce intimamente ligado à experiência e contato do indivíduo com esse “todo” misterioso. E logo a espiritualidade não pode ser contestada, se não questionada. Pois contestá-la exige que haja pelo menos a possibilidade, o potencial de se saber o que de fato é, e isso não parece existir.
A religião, nessa linha de pensamento, poderia ser vista como a “ciência da espiritualidade”, no sentido de que oferece um modelo para a compreensão do Mistério. Coletivizando a experiência e apresentando respostas diretas aos por quês. Logo, essa sim pode ser contestada pois determina a a condensação de múltiplas experiências individuais a uma única resposta pré-concebida, direcionando a interação do sujeito com o Mistério a uma única experiência, o privando do dom da agência.
Isso não é exatamente uma crítica as religiões, se não um apontamento de que a vida e sua experiência é auto referenciada e auto determinada, não cabendo em um potinho pré-concebido. Por que no fim do dia, a espiritualidade acaba sendo sobre expansão/união enquanto religião acaba sendo sobre limitação/divisão.
Desde minha adolescência venho batalhando contra uma depressão que assumiu várias formas e se mostrou multifacetada, mas que sempre surgiu e ressurgiu dessa pergunta fundamental: “Por Que?”, e de sucessivas tentativas de usar da lógica para encontrar respostas que talvez não sigam as regras da lógica. Hoje sou grato a ela, pois me colocou em um caminho que me possibilitou uma conexão íntima com o Mistério, ao meu jeito, e me fez ver que essa pergunta deve ser usada com cuidado, cabendo apenas a certos domínios.
Acredito e vejo que o “mal uso” dessa pergunta seja fonte de muitas dores que experenciamos na vida. Torço para que esse texto alivie algumas delas no leitor, mesmo que a longuíssimo prazo.